Por Beta Nunes
“A obra de arte é sempre comovente e desagradável, ao mesmo tempo”. Partindo desse pressuposto, pode-se considerar o espetáculo “Nekrópolis”, com texto de Roberto Alvim e direção de Gustavo Kurlat, uma obra de arte. Por quê?
Porque ao tratar da realidade do país de forma tão próxima dos fatos, ao colocar a lente tão perto do nosso dia-a-dia, a peça, apresentada por jovens formandos da Escola Livre de Santo André, mostra-nos uma imagem que, apesar de verdadeira, caracteriza-se por ser desagradável, feia e grotesca. É desagradável ouvir desses jovens - que deveriam estar sonhando -, que o projeto democrático do país faliu, que o mundo desejado por nós resultou em violência, miséria, medo. É feio ver em imagens tanto técnica quanto esteticamente bem elaboradas, compostas por meninos e meninas em idade de estar dançando e celebrando a vida, que nossas crianças estão sendo cotidianamente adormecidas, nossos adolescentes sistematicamente assassinados e nossos velhos peremptoriamente entristecidos. É grotesco perceber que estamos desorientados, perdemos a identidade e não aprendemos com a História. E tudo isso dito por aqueles que deveriam estar vivendo num mundo melhor, criado pelos mais velhos, para eles. Não temos futuro – parece-nos afirmar “Nekropólis” –, pois aniquilamos o presente e ignoramos o passado.
Apesar da pretensão de se estabelecer uma estética contemporânea, que tem como cracterísticas principais a desconfiguração das estruturas dramáticas e a desconstrução do discurso, a forma escolhida para nos mostrar tanta desolação é bastante simples. Um musical intermediado pelo julgamento de supostos terroristas garante uma apresentação linear, com curvas de tensão, quebrada pelas músicas compostas pelos atores. Tais peças musicais, muito bem executas, são, porém, longas demais, prejudicando um pouco o ritmo do espetáculo. Mesmo a inclusão de uma linguagem estranha, como se fosse um idioma de seres de outro planeta, a qual no início chega a desnortear o público, é facilmente decodificada depois de um tempo, o que acaba por amenizar o impacto pretendido.
O espetáculo é feito por jovens, e isso fica claro em vários aspectos: na voz que às vezes vacila, na criação de cenas ilustrativas do texto, na energia que utilizam para mostrar o quanto são contestadores, no texto que retrata uma realidade cruel, mas que, no fundo, possui um certo tom de ingenuidade e frescor.
A imaturidade revelada no espetáculo “Nekropólis” não o desvaloriza em nada; muito pelo contrário, é o que emociona. É comovente ver o esforço desses jovens em ter uma postura política assumida. É alentador vê-los chafurdar na História e colocar de forma estética os seus pontos de vistas. É belo ver que temos uma geração a qual, apesar de tudo, ainda acredita.