sexta-feira, 22 de maio de 2009

Nekrópolis

Por Elaine Frere

A história da Escola Livre de Teatro é de montagens com temas densos, fato que, talvez, esteja ligado ao histórico dos idealizadores da escola: profissionais atuantes, competentes e habituados às lutas políticas da classe artística.

Já a Cidade de Santo André é um lugar com vistas para a cultura, intelectualizada e com seus excêntricos artistas a transitarem por toda parte em seus diferentes tipos e personalidades. 

Com tanto “engajamento e liberdade”, pois que o nome já anuncia: “Escola Livre”, não é raro que as montagens tragam questões do coletivo para a cena, que façam criticas sociais e que optem por chocar a platéia.

Nekrópolis leva ao palco acontecimentos monstruosos e cotidianos, velhos conhecidos de todos nós, desastres da personalidade humana. Na trama, uma suposta facção criminosa chama a atenção para os crimes sociais, cometendo outros, tão ou mais chocantes. Logo, todo o teatro se transforma num tribunal, do qual o público faz parte, obrigatoriamente, e passa a participar de um julgamento que deve considerar, se o grupo agiu movido politicamente ou se foram crimes comuns. Neste âmbito muitas questões e reflexões sócio culturais são abordadas, como, por exemplo, a violência dos jogos eletrônicos, oferecidos aos filhos por seus próprios pais que, contraditoriamente, se perguntam por que seus filhos teriam se tornado tão violentos.

Diante do labirinto que Nekrópolis apresenta, bem se coloca a insistente pergunta de Gilberto Gil na canção Domingo no Parque, que narra um crime passional cuja condenação é certa:

- E agora, José?

- E agora, José?

- E agora, José?

Se a condenação é certa, um fato consumado, de que vale falar dela?

A citação também serve de  paródia às palavras quebradas e repetidas do texto (possível ensaio do absurdo que se perde rapidamente), aos black outs freqüentes, ao movimento corporal repetitivo da dança contemporânea em cena, ou mesmo a sensação de “dèjá vú” do tema, que está na TV, nos jornais, na rádio, nas ruas e no Teatro.

Parecendo querer reafirmar o tom sombrio da trama, como se houvesse essa necessidade, os figurinos são na cor cinza, o palco é neutro, e a luz é, quase sempre, branca. Neste contexto, a cena da  mulher que ao ser baleada na cabeça sofre delírios para, então, morrer, trabalhada como um rito de passagem, é quase um oásis poético e imagético, em meio ao tom cinzento da peça. Um oásis que se esvazia, no esforço final de uma morte naturalista em cena.

Fica a certeza de que há, por traz desses aprendizes, uma preocupação da escola, em formar profissionais pensantes, conscientes e preocupados com a função social da Arte, embora a obra, ora analisada, pareça um pouco ultrapassada quanto ao que se propõe a denunciar, posto que nenhuma novidade se apresenta, nem quanto ao tema, nem quanto a forma. Mas é certo que há, no espaço da Escola Livre, um prenúncio e o exercício das várias técnicas e recursos necessários ao “bom fazer teatral”.

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