sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Crítica da peça "Café com Queijo"

Atemporal

Por Leca Perrechil

“Eu já teve oito acidente grávido! Eu já teve pnamonia, eu já teve quase cuma, quase cuma malária, só que a malária produzi essa verminose uma varminosi um milhão por minuto e a cesão, não, ela não produzi essa verminosi, é diferente, né! Porque quando ocê tem malária ocê tem certeza absoluta que é malária”.

Imaginem o trecho acima sendo dito por Miguel Falabella em Sai de Baixo, por Denise Fraga em Trair e Coçar é Só Começar ou por Tom Cavalcanti em qualquer show que ele faça. O texto caberia perfeitamente e poderia até, dependendo de como seria dito pelos citados, produzir graça com a exploração do estereótipo regionalista. Porém, a citação inicial faz parte da peça do grupo Lume Café com Queijo, de 1999, e é dita logo no início do espetáculo pelo personagem Mata-Onça (Renato Ferracini) com um registro de interpretação muito diferente de qualquer estereótipo que o texto poderia trazer. Ao contrário, Renato Ferracini traz um Mata-Onça realista e sensível, com ações naturais, tanto nos gestos quanto no registro vocal, dando a sensação do público estar na frente de um senhor muito humilde, de alguma região pobre do Brasil.

Esse é o maior atrativo da montagem que já tem quase 10 anos e foi apresentada recentemente na Caixa Cultural de São Paulo, na mostra Lume de Bolso - o trabalho de corpo e voz dos atores, na recriação de personagens reais, sem puramente imitar nem estereotipar, faz parte da técnica denominada pelo Lume como Mimese Corpórea. Segundo Ferracini em seu livro Café com Queijo: Corpos em Criação, “a mimese corpórea é um processo de trabalho que se baseia na observação, corporificação, codificação e posterior teatralização das ações físicas e vocais observadas no cotidiano. (…) a capacidade do ator de deixar essas ações físicas orgânica geram um corpo-subjétil”.

Para isso, os integrantes do grupo se basearam em senhores e senhoras que encontraram em suas viagens por regiões do país (como Minas Gerais, Amazonas, Goiás etc) durante pesquisa para Contadores de Estórias e Afastem-se Vacas que a Vida É Curta, montagens anteriores do grupo. Para Café com Queijo, o foco maior foi em cima dos personagens idosos, humildes e alguns sozinhos, e todos muito vivos no espaço de encenação - mesmo quando as duas atrizes faziam personagens masculinos e os dois atores, femininos. No final do espetáculo, fotos espalhadas pelo chão das pessoas que inspiraram a peça, comprovavam como os intérpretes conseguiam retratar gestos e expressões faciais dos originais, inclusive tristezas expressas tanto na imagem quanto nas legendas das fotos, com frases ditas por eles.

Outra característica bastante presente na peça é a musicalidade acompanhada de interação com a platéia. Os atores tocam e cantam durante o espetáculo, algumas vezes animando a galera - não porque cantam os hits preferidos do povo de teatro, mas depois de um longo período de monólogos intercalados pelos atores - alguns com diálogos entre esses personagens outros não - um descanso musical cai bem. Em alguns momentos, eles aproveitam pra convidar pessoas da platéia para completarem a letra com nomes de santos e pra irem pro meio da arena falarem um poema. O pessoal que participou dessa última categoria de interação era tão ensaiadinho e estavam com o texto tão na ponta da língua, que cheguei a pensar que eram todos atores amigos do grupo (até porque alguns abraçaram os atores no final). Mas conversando com uma amiga que foi no dia anterior, soube que ela passou apuros porque a peça não continuava enquanto ela não falava seu poema. Apesar do mico, poderia ter sido pior. Ela poderia estar no Teatro Oficina e a peça não recomeçar enquanto ela não tirasse a roupa… acontece.

E pra completar esse trabalho coletivo, nada melhor do que uma aguardente forte pra diabo bebida no gargalo durante a peça e, é claro, o café com queijo depois da encenação. A bebida típica foi servida para os atores durante a pesquisa por seu Justino e Dona Angélica no interior do Tocantins e virou o nome de peça. Pra quem não sabe, o queijo vai dentro do café, fica derretidinho e até gostoso… na medida do possível.

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